terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Sexualidade na Terceira Idade: Qualidade de Vida


“Amor é privilégio de maduros estendidos na mais estreita cama,
que se torna a mais larga e mais relvosa,
roçando, em cada poro, o céu do corpo.
É isto, amor: o ganho não previsto, o prémio subterrâneo e coruscante,
leitura de relâmpago cifrado, que, decifrado, nada mais existe
valendo a pena e o preço terrestre, salvo o minuto de ouro
no relógio minúsculo, vibrando no crepúsculo.
Amor é o que se aprende no limite, depois de arquivar toda
a ciência herdada, ouvida.
Amor começa tarde.”

Carlos Drummond de Andrade

Introdução

O presente trabalho é feito no âmbito da unidade curricular Introdução à Gerontologia e tem como objetivo mostrar que a Sexualidade está presente em todas as idades. Este trabalho é dividido em duas partes: teórica e projeto de intervenção; na primeira parte iremos introduzir o tema, como é vista a sexualidade na terceira idade e apresentar as principais causas da diminuição desta entre os idosos; na segunda parte faremos um projeto de intervenção com o objetivo de ajudar a melhorar a vida sexual dos idosos.
Na atualidade, em que o belo é enfatizado, os idosos ficam esquecidos e são vistos como seres assexuados, seres sem interesse sexual, sem desejos, sem necessidades de carinho, mas isso é apenas um mito pois “o amor e a sexualidade dos idosos em nada diferem na intensidade daqueles entre pessoas jovens” [ALMEIDA e LOURENÇO, 2008].

Sexualidade na Terceira Idade

A sexualidade na Terceira Idade é um tema pouco abordado e pouco compreendido pela sociedade, ao qual estão associados muitos preconceitos e estigmas. Ao contrário do que se pensa, as pessoas idosas sentem desejos e necessidades de carinho tal como qualquer outra pessoa jovem, o que muitas vezes acontece é que a mudança do corpo e o aparecimento de disfunções ou problemas de saúde fazem com que algumas pessoas se sintam retraídas e pensem que a sua vida sexual chegou ao fim. Para muitas pessoas ser idoso é tomar conta dos netos, ver televisão, fazer tricô, e não é tido em conta a necessidade de afeto.
“Vários elementos são apontados como determinantes ou indicadores de bem-estar na velhice: longevidade; saúde biológica; saúde mental; satisfação; controle cognitivo; competência social; produtividade; actividade; eficácia cognitiva; status social; renda; continuidade de papéis familiares e ocupacionais, e continuidade de relações informais em grupos primários, principalmente rede de amigos” [Neri, 1993]; se a estes se juntarem o afeto, a paixão, o namoro, o amor, o sexo, a cumplicidade, o companheirismo, etc., o idoso poderá ter uma vida ainda mais satisfatória, defendem Lacerda e Lourenço [2008].
A Sexualidade não é apenas o ato sexual em si, mas engloba também as carícias, o toque, os beijos, e o diálogo, são maneiras de trazer de volta do erotismo. “A Sexualidade é uma energia que nos motiva a procurar o amor, contacto, ternura, intimidade, que se integra no modo como nos sentimos, movemos, tocamos e somos tocados; é ser-se sensual e ser-se sexual. A sexualidade influência pensamentos, sentimentos, acções, interacções e, por isso influência também a nossa saúde física e mental” [Organização Mundial de Saúde]. “Holisticamente, o termo sexualidade tem tido dois significados: a procura de prazer sexual, reprodução, a necessidade de amor e realização pessoal e a tomada de consciência da sua identidade sexual, ou seja, o sentimento de ser macho ou fêmea” [CUSTÓDIO, 2008]. “Sexualidade não é sinónimo de relações sexuais” [CUSTÓDIO, 2008].
Uma das causas respeitantes ao arrefecimento e diminuição de práticas sexuais está relacionada com a religião, mais propriamente devido a fatores psicossociais e morais, pois a sociedade ocidental é normalmente educada pelas práticas da religião cristã que identifica as práticas sexuais como pecado, logo as pessoas com mais idade que são religiosas praticantes têm tendência a anular os seus desejos por mera questão de moralidade.
Outra causa é a perda da privacidade – muitos idosos vão viver com os filhos e estes passam a controlar os pais. Quando são institucionalizados também perdem a sua privacidade, e novos relacionamentos não são bem vistos na instituição.
O estado de saúde, problemas de impotência no homem e dispareunia da mulher, efeitos de medicamentos e a perda do interesse do companheiro são também causas do arrefecimento sexual.
Contudo, ao contrário do que se pensa, existem muitos casos de HIV entre idosos, não são fenómenos apenas entre jovens e adultos. Este facto está associado ao aparecimento do Viagra, que dá aos idosos um maior desempenho sexual, o que os faz procurar prostitutas. Indiretamente fármacos como o Viagra acabam por ser causadores de inúmeros casos de HIV, mas também o facto das respetivas mulheres deixarem de ter interesse sexual e isso leva os maridos a procurarem a sua satisfação fora de casa.
Apesar das mudanças fisiológicas associadas ao envelhecimento, tanto os homens como as mulheres podem continuar a desfrutar da sua sexualidade. Na generalidade, as mulheres não dão tanta importância ao desempenho sexual, mas sim às alterações do corpo, a perda da juventude. Os homens estão mais preocupados com o facto de conseguirem ereção e isso leva-os a estados de ansiedade. Na mulher verifica-se mais um declínio de desejo e de desempenho sexual.
Encontram-se entre as principais alterações fisiológicas masculinas:
• O decréscimo na produção de esperma;
• A redução progressiva da produção de testosterona; esta descida provoca alterações no homem, tais como: cansaço, irritabilidade, diminuição do apetite sexual; dificuldades na concentração, etc.;
• A capacidade de ereção torna-se mais demorada e precisa de uma maior estimulação;
• A quantidade de sémen ejaculado é menor e a sensação de orgasmo é menos intensa e de menor duração;
• Verifica-se uma menor e mais lenta elevação dos testículos, bem como uma redução da tensão muscular durante a relação sexual.
• Aumento do período refratário (tempo decorrido entre uma ejaculação e a seguinte).
• Todos os aspetos biológicos e psicológicos sentidos pelo homem acima mencionados fazem parte da sua entrada na fase da andropausa.

Estes problemas podem ser agravados quando existe incompreensão por parte da mulher, a qual faz sentir ao homem que este perdeu a sua virilidade e ridiculariza-o por isso.
Já nas mulheres ocorrem as seguintes modificações fisiológicas:
• Perda da elasticidade da vagina, que se torna mais estreita e reduzida no seu tamanho;
• Seios mais flácidos e menos volumosos em grande parte das mulheres;
• Lubrificação vaginal mais lenta e menos acentuada devido às alterações do estrogénio ;
• Alterações, nas formas do corpo, por acumulação de gordura em determinadas zonas, o que compromete a manutenção de uma silhueta tipicamente feminina;
• As modificações da estrutura vaginal, bem como as relacionadas com a lubrificação, podem tornar o coito doloroso e desagradável (dispareunia).
Na mulher estes sintomas estão relacionados com a menopausa, altura em que termina o período fértil da mulher; contudo as mudanças que afetam mais a mulher são a nível psicológico.
Como se pode constatar por tudo o que foi mencionado, a sexualidade é um fenómeno que envolve a pessoa no seu todo e que abrange uma complexa interação de variáveis biológicas, psicológicas e socioculturais.
Logo, quando se aborda a sexualidade na terceira idade nos dias de hoje, temos que ter em conta que estamos a falar de pessoas que cresceram na primeira metade do século XX, onde temas como este eram considerados “tabu” e que envolvem também questões culturais muito fortes, sendo por isso muito complicado para o idoso falar abertamente das suas dúvidas e sobre estas questões, devido ao peso cultural e social. Frequentemente, e devido ao desconhecimento e à pressão sociocultural, os idosos manifestam sentimentos de culpa e vergonha, chegando mesmo a considerarem-se pessoas fora da normalidade por sentirem prazer e vontade de manifestar a sua sexualidade, e devido a isso calam-se para não se sentirem descriminados pela sociedade. Isto acontece porque a sociedade, em geral, atribui determinados papéis ao idoso e cabe a todos nós alterá-los, pois é um contra-senso numa sociedade dita “liberal”, onde já se ultrapassaram tantos preconceitos a nível sexual, como por exemplo a homossexualidade, ainda se fazer juízos de valor e ter comportamentos preconceituosos em relação à sexualidade nos idosos.
Não podemos esquecer que o envelhecimento é um fenómeno global e que a população mundial está a ficar cada vez mais envelhecida devido a vários fatores, tais como os progressos a nível da medicina e a diminuição da fecundidade/natalidade; por isso é necessário reformular a maneira como se encara a terceira idade, não se pode continuar a considerar as pessoas que se afastam da sua vida profissional como que “acabadas para a vida”, e como um peso a nível social.
Cada vez mais a esperança de vida é maior e os idosos são ativos e autónomos até mais tarde, não devemos encarar o idoso só pela perspetiva cronológica, ou até pressupor que existe uma forma de agir para cada idade, pois a vivência das diferentes etapas do envelhecimento diferem de pessoa para pessoa. O grupo da terceira idade tem um peso cada vez maior na nossa sociedade, devendo sobre ele recair um “novo olhar”, não só a nível social mas também a nível político, para que gradualmente se consiga extinguir muitos dos preconceitos que existem em relação ao idoso.
A capacidade de amar não tem limites cronológicos, a sexualidade tem várias formas e o ser humano é um ser que necessita de carinho e que se adapta às limitações do seu corpo, arranjando formas de ultrapassar as dificuldades da idade para conseguir continuar a ter e a fazer as coisas que lhe dão prazer.
Hoje em dia, em alguns centros de saúde já existe uma abordagem destes temas com as pessoas de mais idade, embora o meio cultural em que foram educadas faz com que elas não se queiram expor e tenham muita dificuldade em falar destas temáticas; em contrapartida, recorrem muitas vezes a panfletos explicativos das questões relacionadas com a sexualidade e com as alterações e doenças que podem surgir com o avançar da idade.
As próximas gerações de idosos não irão encontrar tantos problemas em falar sobre estas questões pois com a globalização e as novas tecnologias que dispomos (principalmente a internet) aceder à informação é muito mais fácil. Temos que ter capacidade de ajudar o idoso de hoje a ultrapassar estas dificuldades, a não se sentir descriminado nem marginalizado quando fala sobre sexualidade.

Projeto de Intervenção

A intervenção que pretendemos apresentar tem duas fases. Uma em que é feita formação às pessoas idosas onde o assunto abordado será a sexualidade e de que modo esta é promotora de uma melhor qualidade de vida dos nossos destinatários – os idosos a partir dos 65 anos. Esta formação é apresentada por um sexólogo que abordará os seguintes temas:

1. As diferentes idades da terceira idade
2. Alterações físicas e psicológicas na terceira idade
3. A importância da sexualidade na terceira idade
4. Os diferentes tipos de sexualidade
5. Prevenção de doenças contagiosas
6. Sexualidade e a institucionalização
7. Diálogo e partilha de sentimentos
8. Sexualidade e qualidade de vida

Numa segunda fase, e uma vez que os idosos já estão mais esclarecidos devido á formação, considerámos que um rastreio e sessão de esclarecimentos com um médico seria conveniente, de modo a que as pessoas se possam prevenir, não só a nível físico (em termos de doenças limitadoras à prática sexual) como também em termos de prevenção de doenças contagiosas, pois como foi referido anteriormente tem-se registado um aumento de casos de HIV nesta população.
A iniciativa da formação visa não só fornecer informação útil à população idosa como também gradualmente levar as pessoas a sentirem-se confortáveis em discutir esta temática que é considerada tabu e incentivar ao diálogo não só entre os participantes como também transportar este diálogo para a família (cônjuge e filhos) e para as instituições (lares e centros de dia) de modo a que haja uma sensibilização geral e em última análise, contribuir para uma maior qualidade de vida, em primeiro lugar do idoso e depois da família.
Já a iniciativa do rastreio médico tem por objetivo efetuar um rastreio das condições físicas gerais dos participantes, detetar e reencaminhar os mesmos para um melhor acompanhamento médico (caso seja necessário) e esclarecimento de dúvidas gerais. Também se pretende perceber de que modo os idosos se previnem das doenças contagiosas, esclarecer dúvidas nesta matéria e promover as medidas a tomar para a prevenção.

Regularidade e Locais de Intervenção:
Ambas as iniciativas teriam um maior benefício para esta população se fossem com alguma regularidade (talvez semanal) pois assim sempre poderiam voltar para esclarecimento de dúvidas ou até para se fazerem acompanhar dos respetivos cônjuges ou até família. Seria de elevado interesse que este tipo de iniciativas também fosse aplicado nas instituições, pois aí existem igualmente dificuldades de comunicação entre cuidadores e idosos e esta seria uma boa forma de promover o diálogo e sensibilizar estas para o tema da sexualidade, principalmente nas próprias instituições que são muitas vezes castradoras.

Destinatários:
Este projeto tem vários destinatários uma vez que pretendemos promover a sexualidade para uma boa qualidade de vida dos idosos. Assim, os idosos são o principal destinatário do nosso projeto. Considerando que existem várias idades, conforme é abordado no plano de formação, iremos considerar todas as idades a partir dos 65 anos, uma vez que cada uma delas tem necessidades específicas e diferentes.
Também as famílias são destinatários alvo do nosso projeto, pois a partir do momento em que os seus pais se reformam os filhos começam a tomar conta deles e muitas vezes, por diversos motivos, passam a residir com eles e, consequentemente, existe uma perda de privacidade. É necessário que a família também se envolva nestes assuntos, pois muitas vezes não existe essa sensibilidade para a sexualidade dos seus pais.
Por último, as instituições enquanto cuidadores e promotores da qualidade de vida dos idosos institucionalizados. Muitas vezes por falta de pessoal com formação específica na área, outras vezes devido à sobrelotação ou falta de condições das mesmas, torna-se quase impossível conseguir ir ao encontro desta necessidade das pessoas idosas. Consideramos que é relevante as instituições terem formação a este nível, não só para estarem despertas para o tema, como também considerarem a hipótese de alterarem procedimentos e até criarem condições para ir ao encontro destas necessidades. Fazer das instituições um lugar onde se possam promover atividades que potenciem a partilha de informação e o envolvimento das respetivas famílias na melhoria da qualidade de vida e da sexualidade desta população.

Conclusão

Após a apresentação dos dados e do nosso projeto de intervenção que pretendemos que seja o mais abrangente possível dada a temática e que vá ao encontro dos principais intervenientes que lidam com a população idosa, achamos pertinente afirmar que este é um trabalho de todos, inclusivamente da sociedade, na medida em que é necessário uma desmistificação de preconceitos da sexualidade sénior.
Precisamos de olhar para o ser humano como um todo e não dividido em partes, precisamos de perceber que o que fazemos hoje terá influência no amanhã, pois poderemos ser vítimas do nosso próprio estigma.
É urgente aprendermos a ser tolerantes e acima de tudo considerar que o outro tem necessidades, desejos e sentimentos e tentarmo-nos posicionar no lugar do outro sem descurar os valores que nos são intrínsecos.
Esta é apenas uma pequena parte do que podemos fazer para ajudar a melhorar a qualidade de vida no final dos nossos dias.


Bibliografia
(Org.), A. L. (1993). Qualidade de Vida e Idade Madura. São Paulo: Papirus.
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Acquaviva, N. L. (Agosto de 2007). A Construção do Amor Entre Adultos na Maturidade. Exposição em Mesa Redonda no VI EnAGATEF, 4.
Almeida, T. d., & Lourenço, M. L. (Jan/Jun de 2008). Amora e Sexualidade na Velhice: direito nem sempre respeitado. Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano, Vol. 5, N.º 1, 130 a 140.
Custódio, C. M. (2008). Representações e Vivências da Sexualidade no Idoso Institucionalizado. Lisboa: Universidade Aberta.
Jacob, L. (s.d.). Sexualidade na Terceira Idade. Obtido em 01 de Dezembro de 2011, de www.socialgest.pt: http://www.socialgest.pt/_dlds/SexualidadenaTerceiraIdade.pdf
Negreiros, T. C. (Jul/Dez de 2004). Sexualidade e gênero no envelhecimento. Alceu, Vol. 5, N.º 9, 77 a 86.
Valente, R. (2008). "Sinto logo existo!...” – Estudo Sociológico sobre Sexualidade na Terceira Idade. VI Congresso Português de Sociologia (p. 17). Faculdade Nova de Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas.

Elaborado por:
Manuela Lopes
Maria Monteiro
Sara Serrano
Susana Manuel

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